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O olhar como penetração mais profunda

domingo, 3 de julho de 2016

Já se deu conta de que ao conversar com alguém, seja intimo ou não, temos a tendência a não olhar nos olhos? Ou até mesmo olhar, mas desviar logo em seguida? Depois de participar de uma oficina, comecei a me deparar mais com essas questões.


O que há de tão intrigante e ao mesmo tempo incômodo num olhar? Podemos proferir palavras “da boca pra fora”, ou seja, mentiras e até mesmo coisas que não acreditamos. Podemos até mesmo realizar ações por pura “obrigação”, de forma mecânica, não realizando assim as verdadeiras ânsias de nossos corpos. Porém, um olhar nunca pode ser dado de qualquer maneira. O corpo fala! Cada parte de nosso ser grita em meio a silêncios, sobretudo nossos olhos.


Há quem diga que os olhos são as janelas da alma. Certamente existe uma profundidade por trás que nos permite acreditar nessa sentença. Ao olhar diretamente para os olhos de alguém, principalmente quando se está perto, nota-se uma diferença nas expressões e na atmosfera. Nesse momento somos capazes de penetrar no outro em meio a silêncios e descobrir coisas de modo simples, porém sublime.

Sei que é difícil sustentar tal olhar, já que parece haver algo de invasivo nele. Sem conversas o outro é capaz de me descobrir, de perceber sutilmente minhas intenções. Sentimos que estamos nus, sem barreiras ou vestes confortáveis; a zona de conforto é convidada a nos deixar, mesmo que momentaneamente.

Não só a percepção do outro é possível, mas também a percepção de si mesmo. Ao nos depararmos com rosto no espelho não temos como nos esquivar mais. Cada detalhe, antes negligenciado, é notado. Posso até observar e fisicamente só apontar defeitos; manchas, olheiras, vermelhidões, desalinhamento de alguma parte específica, etc. Entretanto, ao pousar o olhar acusador nos nossos próprios olhos e ali nos demorarmos, muitas coisas são reveladas e os julgamentos, mesmo que momentaneamente, esquecidos. Somos capazes de ter um encontro pessoal com nós mesmos.



Conseguimos, dessa forma, penetrar em nós mesmos. As histórias que vivemos, nossos medos, nossa solidão, pequenez... Ao mesmo tempo em que somos capazes de nos depararmos com esses fantasmas, passamos também a sermos capazes de enfrenta-los em silêncio.  Podemos sentir vontade de chorar e vez ou outra até derramar alguma lágrima diante dessa situação, mas também podemos sentir uma alegria súbita e apenas sorrir singelamente. Tomando posse da beleza que existe dentro de nós. Revolução de dentro para fora. Vem à tona aquilo que aprisionamos, mantemos trancado e flui de forma tão orgânica que nem temos total controle.

Por isso, esses constrangimentos acontecem, pois temos contato com algo que é tão nosso e ao mesmo tempo tão do outro, mas que em meio a quotidianos agitados (na qual temos a urgência de medir o tempo pura e simplesmente por horas e consequentemente pelos compromissos atrelados a elas) esquecemos ou até mesmo enterramos isso. O contato, ligação, laços feitos, apenas com um simples olhar. O quão profundo isso pode ser a ponto de causar até medo ou vergonha em alguém? Qual é o “ápice” humano de que tanto alguns falam que chegamos, na qual o toque despretensioso e o aprofundar das conexões humanas são tão incômodos e às vezes dolorosos?

Reestabelecer, reconectar, aprofundar e deixar ser e fluir livremente. Eis o ponto chave.

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