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Sr. Ninguém e a condenação eterna de fazer escolhas

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Uma das frases mais marcantes e conhecidas do filósofo Jean-Paul Sartre, de longe seria: “O homem está condenado a ser livre”. Independentemente das controvérsias, o impacto que a palavra “condenado” causa é verídico e se perpetua constantemente nos nossos quotidianos. Embora haja todas as amarras, muros e prisões invisíveis e sutis que nos cercam, ainda sim somos capazes de sermos livres na medida em que fazemos escolhas.

O filme Sr. Ninguém (Mr.Nobody,2009), protagonizado por Jared Leto, tem como ponto central justamente a questão das escolhas. Nemo, seu personagem, ao se encontrar numa realidade futurística, com seus 118 anos, relembra algumas de suas supostas memórias mais marcantes. Desde a sua infância, sempre se viu impelido a fazer alguma escolha, em basicamente todos os contextos, desde a escolher um doce na padaria, até decidir se ficaria com seu pai ou sua mãe após a separação, e isso era acompanhado de cargas sempre muito fortes na vida do personagem. Cada resposta, por mais inocente que aparentasse ser, sempre encaminhava a vida do garoto para uma determinada trilha e isso era capaz de mudar toda a historia de vida dele.


Apesar de ficcional, Mr. Nobody também nos diz respeito. Por mais que nos esforcemos, nossas vidas são pautadas em nossas escolhas, quer sejam as melhores possíveis ou não. Ao acordarmos e sairmos da cama já estamos escolhendo. O que fazer primeiro numa manhã, a roupa para o trabalho, ir de carro ou pegar o ônibus, aceitar o convite de um amigo para sair ou recusar, fazer os trabalhos da faculdade ou tirar um cochilo, conversar com quem pisou na bola com você ou ignorar. Tudo se baseia em escolhas. E mesmo que tentemos fugir e pensar “não quero escolher, vou me omitir”, já estamos fazendo uma escolha, pois o ato da não escolha já implica uma escolha. Evidentemente, não há como não fazermos escolhas, pois a vivência é subordinada a elas. Porém, o ponto é: Mas como podemos escolher diante de tantas possibilidades que nos bombardeiam?

Para Sartre, o homem, dentro de sua “condenação a liberdade”, se configura na medida em que ao assumir a inteira responsabilidade por seus atos e escolhas, é aquele capaz de decidir e modificar o seu futuro, ou seja, é livre para fazer as suas próprias escolhas e não serão as circunstancias X ou Y que determinarão esse fato. Sendo assim, o filósofo deixa claro que se deve confiar nos nossos próprios instintos e, portanto, naquilo que nos move a fazer uma escolha. Porém, não é tão simples quanto parece, nem para nós, nem muito menos para Nemo Nobody. Cada escolha na vida do personagem o levou, como mencionado anteriormente, a um caminho diferente e o filme faz questão de mostrar o que de fato haveria de acontecer com cada uma.  A começar pela escolha de namorada. Com cada uma das possíveis garotas que ele poderia se relacionar, o contexto seria diferente e suas experiências e maneiras de reagir até culminar num futuro também. Anna, Jean e Elise, cada uma com personalidades diferentes e diferentes formas de amar e construir uma vida também. Como escolher então? Existiria resposta certa ou um destino intrínseco?

Em determinados pontos, Nemo prefere levar suas escolhas ao mero acaso, jogando para cima uma moeda, na qual cada face teria uma resposta (sim ou não). Isso demonstra justamente a dificuldade de se fazer escolhas. Mesmo que confiemos em nossos instintos, como Sartre nos recomendaria, ainda sim nos restarão dúvidas. Nemo diria: "Nós não podemos voltar. Por isso é tão difícil escolher. Nós temos que fazer a escolha certa. Enquanto você não escolhe tudo permanece possível”. Por mais que às vezes alguns de nós entreguemos nossas escolhas ao mero “destino”, devemos nos lembrar de que essas exigem antes de tudo comprometimento e engajamento. Essas escolhas, embora subjetivas, não se restringem a uma “individualização” pura e isolada, até porque vivemos em um contexto social, mas quando se escolhe, escolhe-se “por toda a humanidade”, como colocou Sartre. Aquilo que optamos, também diz respeito a vida dos outros que nos cercam; daí se percebe outro tópico que torna as escolhas mais difíceis. 

De fato, escolher é tarefa árdua e não existem respostas ou saídas prontas para tal. Ponderar é importante, porém não podemos nos esquecer de agir. As escolhas, antes de tudo, nos impulsionam para nossos futuros e sendo assim, o possível medo de responder ao que nos é solicitado pelo contexto, nos estagnaria, enquanto a vida continuaria passando no seu próprio fluxo. Diversos personagens se assemelham muito a nós e a história humana não é viável sem que tenha havido escolhas envolvidas. Desde Hamlet, nos teatros, até Nemo Nobody, no cinema. Portanto, cabe a cada um a angústia da missão de escolher e assim fazer e refazer seus próprios caminhos. Nas palavras do existencialista: “Antes de começarmos a viver, a vida, em si, não é nada, mas nos cabe dar-lhe sentido, e o valor da vida não é outra coisa senão este sentido que escolhermos”.

"Eu não tenho medo de morrer. Eu tenho medo de não ter vivido o suficiente".











Um comentário:

  1. Maravilha de texto, Biah. Claro, singelo, objetivo. Parabéns! Soube falar com suavidade de um tema absolutamente espinhoso e, ao mesmo tempo, fundamental.

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